quarta-feira, 15 de julho de 2015

Foda-se



Esta semana, me deparei com uma foto da apresentadora Gigi e o palhaço Tic Tac, de um antigo programa infantil chamado 'Bambalalão', o que me trouxe algumas memórias, não das mais agradáveis, mas estimulou-me a escrever, botando as mágoas pra fora, já que me encontro a bom tempo, sem receita de rivotril.
O programa contava com a participação de uma platéia formada de pirralhos de algum colégio.Chegou então, o grande dia da excursão da minha escola. Lembro que fui bem a contragosto, nunca fui um ser sociável, e via naquele passeio, ocasião ideal para ser alvo do costumeiro 'bullying'(que nem tinha esse nome na época, era algo completamente despercebido e só a vítima sabia bem o tormento que era) não só de colegas de classe, mas de qualquer desconhecido 'espirito de porco'de outra classe.
Muito bem, sempre querendo ficar por último e passar despercebido, quando chegou minha vez de entrar no ônibus, a 'tia' me indicou o único lugar vazio, que era ao lado de um gordo com cara dos mais escrotos, ou seja, não era só 'espirito de porco', era um porco completo, que disse pra eu não sentar do lado dele, se não iria me bater. E lá foi Andrézinho, de pé, odiando ainda mais aquele 'programa de indio', que já não o apetecia desde o início. O programa (não o de indio, mas o Bambalalão) começou, e ao ver de perto a Gigi, que achava muito bonita, me senti mais confortado. Mas, outro problema, foi também ver de perto o Tic Tac. Sempre tive certa fobia de palhaço, não aquela mais forte, que faz a pessoa entrar em pânico, mas sempre fiquei desconfortável com este ser, que embora tivesse a cara colorida, era um homem enorme, com cabelos despontando do peito e das pernas. Ou seja, não era uma criatura de fantasia, como um desenho, mas sim, um adulto, alguém avesso a fantasia e que poderia te punir, te dar ordens, mas escondido atrás da palhaçada, como uma besta raivosa, atrás de uma roseira, se é que me entendem.
E Tic Tac passou correndo perto de mim, com aqueles sapatos enormes e pernas cabeludas "Plac!!Plac!!Plac!!" e uma jarra cheia de leite pingando. Não, meus amigos. Não foi uma sensação agradável. E, ao fim do programa, a criançada subia uma escada para ir deslizar num escorregador. Chegou minha vez, eu não quis escorregar. Mas, de que adiantava falar que não queria? Tinha um brutamontes lá atrás, que me puxou e empurrou:
--- Vai escorregar, moleque!!
Depois, ao pegar nossos lanches, meu doce se perdeu em meio a selvageria das 'criancinhas-futuro-da-nação', ou foi pisoteado ou roubado, só sei que foi mais um prego no caixão daquele dia tenebroso.
Mais tarde, de volta aos braços de minha mamãezinha querida, menti, dizendo que foi 'legal'.
Mas não. Não, meus amigos. Foi horrível. Foi como o adulto cabeludo, atrás do nariz de palhaço. Naquele dia, descobri que o horror residia por trás da fantasia. Fui perdendo a inocência, enfim. Como a orelha decepada, que se ocultava na grama iluminada pelo sol, no filme "Veludo Azul". E eu mesmo me transformei. O mundo foi me moldando, com mãos sinistras foi embrutecendo essa alma cândida, que já conheceu dias melhores, e que aprendeu a exorcizar seus demônios através das cores da arte. E, vejam só, a ironia! Até já bolei uma performance caracterizado de palhaço!
--- Andrézãooo!! Gosto de você porque você é alegre! Você é um cômico!
Disse o seu José, um velhinho que eventualmente acompanha as apresentações do meu grupo 'Poetas do Tietê', coisa que me desgostou profundamente:
--- Não...Seu José...Eu não sou alegre...Muito pelo contrário...Eu sou triste....Eu tenho muita raiva!
Ele não entendeu. Minha aparente 'graça' esconde muita dor e ódio. Se eu fosse um cara de 'exatas' e não de 'humanas', ou seja, se não tivesse o menor dom artístico, acho que já teria atentado contra minha vida, ou a de alguém. Se você cruzar comigo, e eu estiver agindo como um bobo alegre, não se engane, na verdade é um ataque de angustia. Daquele tipo que a gente não sabe pra onde ir. Estava vendo um filme com minha mãe, em que uma mulher acaba de ser estuprada, depois de gritos de desespero, a mulher começa a rir. Minha mãe diz: 'Qual a graça?"
Digo que ela está em choque. É bem por aí. O mundo bota na sua bunda e, ou você reage com a mesma brutalidade ou dá uma de louco, ou de 'cômico', como diria o seu Jose´. É rir pra não chorar. E este texto é meu 'foda-se', depois de tantos anos, ao 'porco' do ônibus de excursão, e ao 'gorila' que me empurrou no escorregador. Minha caneta é a arma com que estouro seus miolos.
Pode rir da minha 'graça', caro leitor. E da minha cara pintada e meu nariz vermelho. Mas tome cuidado. Não me dê as costas. Posso, de repente, trocar 'humanas' por 'exatas'.

Um comentário:

Caranguejunior disse...

Da hora Andrezim!

A vida tá cheia de palhaços e porcos e brutamontes, e o mundo precisa de mais poetas e de pessoas (de) humanas.