quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Objeto de Pesquisa


A doença vai retirando meu ânimo às colheradas, como se eu fosse um prato de vômito, todo encaroçado, e a vida, esse monstro cheio de tentáculos, tivesse esse fetiche escatológico de se alimentar de poetas fracassados e cancerosos.
Os médicos usam máscaras, porque exalo um fedor pestilento, e ao falar, posso infectar todos a minha volta. Rabisco tremulamente, versos no caderno. Meus olhos já não conseguem ler perfeitamente. Peço para a enfermeira ler o que acabei de escrever, ela põe a comadre de lado, lê meus garranchos com dificuldade, mas ao final, devolve-me o caderno com cara de asco. Parece lidar de maneira mais tranquila com a comadre suja de bosta negra esverdeada. Mas eu tinha certeza que eram versos de amor! Imbecil! Tão difícil estar cercado de ignorantes!
Mais tarde, entra o doutor que aparentemente é o chefão, sempre com a máscara e a toca, reconheço pelos olhos azuis piscina. E foi na piscina que o parasita entrou no meu corpo. Minha uretra parecia pegar fogo. De repente, eu, tão voltado para os pensamentos, tive consciência mais que exata de meu corpo, como nunca antes. O parasita era mais poderoso que um orgasmo. Nenhuma mulher apoderara-se assim, de forma tão forte ao meu sexo. Aquele dia, lamentei, mas de forma muito mais visceral, amei o parasita que começava a sugar minha vida.
Ouço a voz de trás da máscara, que me conta sobre uma nova técnica: O transplante de cérebro! Ainda havia como salvar minha consciência, passando minha massa cerebral para o crânio de um cadáver, em perfeitas condições. Convidou-me a conhecer o corpo. Apesar da imensa fraqueza, consigo me colocar em pé, e arrastar-me nos chinelos. E lá vou eu, um velho carcomido por uma doença incurável, vislumbrando uma nova vida, novas loucuras...Tento dar uma risada satisfeita, mas apenas consigo tossir, pondo pus pelos lábios rachados. Chegamos a uma sala totalmente vazia, limpa, a não ser pela maca , onde se encontra deitada uma linda mulher.
Me viro para o médico, que entende na hora minha indagação, e explica que a disponibilidade de doadores ainda é pouca. O procedimento é novo e ainda causa estranheza, por isso, o corpo a ser usado é exatamente da doutora que começou as pesquisas e que ofereceu-se em sacrifício a ciência. Pergunto se posso ficar um pouco á sós com o corpo. Ele se vai. Mesmo tendo certeza que sou observado, me aproximo e deslizo a mão tremelicante no belo corpo da mulher, que não deveria contar mais que trinta e poucos anos. Fico imaginando, então, que ao acordar neste apetitoso corpo, teria que viver fugindo de homens que se sentiriam excitados e incitados a me comer. Começo então, eu mesmo, a me excitar com aquela forma que seria a minha logo, logo. Chupo um seio, fazendo doerem-me as gengivas sem dentes. Penetro quatro dedos da mão naquela buceta cabeluda, que para meu espanto se encontra úmida. Devem estar conservando de alguma forma o corpo, como recém falecido, para assim melhor receber o transplante de cérebro. Retiro meu pinto flácido e revestido de nojentos tumores e forço em seus lábios carnudos. Sinto um choque tomar-me completamente e tudo fica escuro.
Acordo. Vista embaçada que aos poucos vai se fixando em dois montes brancos abaixo de meu queixo. Seios. Tenho seios. Levanto as mãos para acaricia-los. Eles afundam na carne, como gelatina. Os tiro, e vem junto uma gosma verde. Meus braços também se encontram com crostas purulentas. Ao meu redor, os doutores com suas máscaras me observam. O chefão dos olhos azuis piscina, se aproxima. Então entendo. Ao enfiar o pau doente na boca cadavérica, passei o parasita para meu novo corpo. Tudo já planejado pelo querido doutor. O verdadeiro objeto de pesquisa é o parasita. Bom...Ao menos, nenhum homem vai querer me comer, não é?
De repente, abrem a porta e puxam um gorila por uma coleira...

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