Passo pensando pela rua. O que pensava já não lembro. Só o que vejo, importa. E acho que não irei esquecer tão cedo. O mendigo esparramado em suas cobertas de pele de miséria, lendo com atenção uma revista Caras. Que se passará naquele espirito, vendo a vida e as futilidades desses sortudos materiais? E serão sortudos realmente? Perseguidos pelos paparazzi, como se fossem a oitava maravilha? Consumidos pela aparência. Pelo dinheiro. O mendigo coça o saco diante da foto da socialite. E ela sorri, satisfeita com seu poodle no colo, com coleira de diamantes e tudo.
Paro no ponto de ônibus, o sol é um grande ovo frito pingando seu óleo quente no asfalto. Tem uma mulher lá sentada, mexendo no celular. Com as pernas cruzadas, parece se entreter com sua atividade, balançando a sandália na ponta do pé. Ela se endireita, olha para o nada, se curva e observa os próprios pés. Olha novamente para o nada, volta a posição anterior, fuçando no celular.
--- Boa tarde!
--- Boa tarde!
Fico lá olhando, aquela movimentação tão sexy, de seu pé. E o engraçado é saber que ela não sabe que aquilo é sexy. O meu desejo é só meu, e ela desconhece o fascínio que me causa com aquele balançar da sandália na ponta dos dedos. Aquilo é como a musica de uma flauta que hipnotiza a serpente, no caso, eu. Eu preciso falar. E porque não falar? Anos e anos insistindo em ser mais um. Em me encaixar no comum. Não. Eu sou um artista. Eu não sou mais um. Eu sou eu. Simplesmente falar pra moça de minha admiração. Sem conversinhas fiadas, que não levariam a nada. E acabar naquela depressão "pós-papo", tentando ser mais um, a procura de mais uma.Será que estou sendo claro? Ficar dando murro em ponta de faca. Esperando engatar um relacionamento. Que por grande experiência, sei que nunca dá certo. De repente, me lembro da fala de uma personagem de Jean Paul Sartre, no romance "A Náusea": "--- Sei que nunca mais encontrarei nada nem ninguem que me inspire uma paixão. Você sabe, não é tarefa fácil amar alguém. É preciso ter uma energia, uma curiosidade, uma cegueira... Há até um momento, bem no início, em que é preciso saltar por cima de um precipício: se refletimos, não o fazemos. Sei que nunca mais saltarei." É isso. Apenas ficar lá, observando aquele pé, a se "requebrar", apenas para mim. Um momento mágico!
--- Seus pés são muito bonitos!
--- Oque?! Ela ri, incrédula, e olha pros pés.
--- Não! São tão feios!
--- Acho engraçado... Vocês mulheres param pra ficar olhando os próprios pés. Depois dizem que não gostam deles!
--- Eu estava olhando e pensando: " Nossa! Como são feios!"
Ah! Então descobri o segredo! Quando elas olham os próprios pés, pensam isso!
--- O esmalte é roxo. É novidade pra mim.
--- Ah...Tá...
--- Qual seu nome?
---- Márcia.
Fico esperando que ela pergunte o meu. Não pergunta. Você sabe que despertou o interesse em alguem, quando lhe pergunta o nome, daí a pessoa pergunta o seu. Não. Márcia não queria saber o meu nome. Então, fico simplesmente olhando aqueles pés. Òtimo. Sem complicações. Ela estava no intervalo de almoço e se despede educadamente.
---- Passe bem, moço!
--- Você está sempre aqui, a essa hora?
--- Sim.
---- Posso voltar a vê-la?
--- Pra quê?
--- Nada não.
Entro no ônibus. É uma sauna. Levanto a camisa e enxugo o suor debaixo da barriga. É um daqueles bancos que deixam você de cara com outra pessoa. E lá estava ele. Um homem com um nariz enorme, com uma verruga bem na ponta, ouvindo musica nos fones de ouvido, e aparentemente acompanhando o ritmo com a saliva na ponta da lingua, de encontro aos lábios pendentes e babosos. Penso nas bruxas das estórias infantis.
---- Spliiittt...Liiipssstsss....
Um arrepio horrivel percorre minha espinha. A visão da verruga apontando para mim, e a linguinha a expelir cuspe, entre uma "doce melodia".
Resolvo fechar os olhos, como certa vez fiz quando criança, quando "vi" uma caveira em cima do armário, e comecei a rezar.
--- Senhor! Senhor! Livrai-me dessa verruga e desse barulhinho!! Me arrependo de minhas mancadas!! Ação...Reação...Ação...Reação...Ação...VERRUGAÇÃO!!! AAAAAAAAHHH!!
Abro os olhos. Alem do sujeito continuar na minha frente, ele agora, sorri para mim! Levanto e dou o sinal. Estou de volta a rua. E não sei como terminar de modo interessante, esta crônica. Mas o que é que realmente importa, no fim das contas? Um par de pés na minha frente, é algo importante para mim, mas para outro pode não dizer nada. Certa vez, um colega disse para uma pessoa, que eu gostava de pés, daí o cara perguntou: "---Pé de galinha?" Poisé...
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
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Um comentário:
Aê! Croniculando de novo!!
gostei!
Abrax!
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