segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Morte lhe Cai Bem

   Caminhando... Caminhando... Caminhando... Raiva no peito... E lágrimas nos olhos... As ruas estão desertas... As famílias "felizes" se reunem... Eu me emociono com o afeto que as une neste dia... As pessoas se amam e tudo é perfeito... A hipocrisia é bela...E eu choro...
   Cada vez que espero para atravessar a rua...Rezo para que não apareça nenhum cachorro.. Uma vez, um cachorro lindo e simpático me acompanhou na rua... Ele me ultrapassava e latia... Balançava o rabo...Me esperando... Ele só queria brincar...Ele só queria um amigo... Ainda não dava para atravessar a rua...Mas ele atravessou.
   O carro o atingiu em cheio...Não parou...Porque parar? Porque parar...Porra!?! Era apenas um cachorro! Quem liga para um cachorro de rua?! Fiquei congelado... O cachorro levantou a cabeça...Ele me olhou... Babando sangue.. Como que perguntando: "Por quê?! Eu só queria brincar..."
   O segundo carro acertou a cabeça... Ele morreu. Ninguem parou. Ninguem ligou.
   Com mãos trêmulas e a vista embaçada pelas lágrimas... Puxei o animal pela pata partida até a calçada... Não havia nada o que fazer...
   Existirá um céu para os bichos? Pois se existe... Este meu amiguinho merece o mais bonito... Campos verdejantes onde possa brincar e pular entre flores que nunca murcham... Onde não passam correndo máquinas de matar, cujos motoristas não são mais que uma peça insensível deste mecanismo atróz..Correndo em direção a porcaria nenhuma... Em direção ao vazio dentro de seus próprios corações... Vocês merecem a morte... Abortos motorizados... E não, aquele pobre cachorrinho...Ele só queria um amigo.
   Meu consolo é pensar que sua morte foi a liberdade para algo melhor... Esta semana, sonhei que fui enforcado. Não. Não foi um pesadelo. A morte foi rápida. Tranquila. Mal a senti. E acordei aqui mesmo, no mundo físico. O alem não era em outro lugar. Mas sim, uma camada sobreposta sobre o mundo físico. Eu passava por dentro dos encarnados e via tudo que havia lá dentro.
   Eu vi um casal jovem... Eles haviam acabado de ter seu primeiro filho. Passei por dentro da moça... Queria ver o coração batendo no ritmo da felicidade...Mas, acabei vendo mais que isso... Havia um câncer brotando dentro dela... Como uma semente do mal... Eu vi a sujeira debaixo do tapete...Eu vi a lâmina na manga do assasino.
   Ah! Fiquei nervoso... Com vontade de urinar... Existiria um banheiro neste mundo espiritual? Ou usaria a privada dos vivos, mesmo?
   Vi então, homens entrando por uma porta... Reconheci que era um "banheiro publico ectoplásmico", sobreposto a estante da sala do jovem casal.
   Me aproximei do mictório. O homem ao lado me olhou desconfiado:
   --- Oi!
   ---Olá!
  ---Vem sempre aqui?
  --- Não. Eu morri a pouco.
  --- Como foi?
  --- Eu fui enforcado.
  --- Qual seu crime?
  --- Ser diferente dos outros. Ou pelo menos, não esconder isto.
  --- A morte lhe cai bem!
  --- Oquê?
      Ele fez um gesto com o indicador, reparei que eu estava vestindo uma espécie de manto transparente, todo coberto por letras...Muitas letras... Minusculas e maiusculas...E os meus sentimentos faziam com que se formassem palavras diferentes:
    "Espanto" "Solidão" "Saudade"
  --- Não entendo... Não posso ter saudade de nada de lá... Eu não fazia parte daquilo...
     O homem sorriu...O jato de urina caía como uma cascata infinita:
  --- Todos fazemos... Só não podemos deixar que os outros nos façam pensar o contrário.
     O vaso transborda... O "mijo do outro mundo" me sobe até os joelhos... Tinha que sair de lá...
     De repente...Não havia mais banheiro... Mas, eu estava mergulhado numa fonte cheia de rosas... No alto, um anjinho pelado dirigia contra o meu rosto, o pipizinho de onde jorrava àgua cristalina. E seu sorriso era o mesmo do homem do mictório:
  --- Volte, André! Ainda não acabou!
   --- Não! Eu não quero!
       Au! Au! Au! Au!
      Olho em volta, e reconheço meu amigo cachorro, que pulava alegremente e cheio de vitalidade... Bem diferente do cadáver que abandonei no meio fio, e que provavelmente teve um sórdido enterro em algum caminhão de lixo.
   --- Olá, amigo! Então aqui é o céu dos bichos?
      Ele saiu correndo...E havia uma fenda no meio de uma àrvore... Ele passou por ela, e eu fui atrás... O ar de repente, ficou pesado... Já não conseguia correr como antes... Senti-me cansado... O campo verdejante deu lugar ao cinza do concreto... A escuridão do asfalto...
   --- Não!! Cuidado!! O carroooooo!!!!!!!!!!
      E lá estava eu novamente... Com o animalzinho morto em minhas mãos... O seu amor desmanchado em líquido rubro em minhas palmas hesitantes... E aquele cadáver era a personificação de minha dor... E o que fazer com esta maldita dor que me aflige? Criar letras...Uma atrás a outra... Formar palavras sobre este manto invisivel que nos reveste... Mas que não se chama morte... Mas, sim...Esperança...

Um comentário:

Caranguejunior disse...

É foda! o sonho as vezes nos puxa pra realidade...

Abrax Andrezim!