segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Perdi o Cabaço com Clarice

 Até pouquíssimo tempo, Clarice Lispector era para mim como o caviar da canção do Pagodinho: "Nunca comi...Só ouvi falar..."
 Meu interesse na escritora já vem de algum tempo, lembro de ficar encantado com o belíssimo poema "O Cigarro de Clarice", do meu amigo Junior Braz, que apesar dele não achar essas coisas, considero uma das mais lindas odes escritas em homenagem a um artista. Alguem que o ouvir declamando certamente irá correr atrás de conhecer Clarice. Semana passada fui à uma peça teatral intitulada "Prazer", baseada em textos de Clarice. E é claro, o prazer foi todo meu e de todos os presentes na platéia.
 Saí de lá pensando: "Ainda levo Clarice pra casa!" Confesso que tenho certa dificuldade de ler textos muito longos na internet. Sempre preferi ler os poemas. E o prazer de ter um livro nas mãos, não se compara! Tenho com ele, se não for igual, algo bem próximo do fetiche por pés. Posso dizer que são gostos que "caminham" juntos.
 Como tenho uma fila de livros de quase uns 20 volumes (peguei vários de uma imobiliária, que após um malogrado projeto social-literário os deixou a disposição, mais vários outros dessas máquinas que existem agora no metrô, em que você pode pagar até com uma nota de 2 reais por um livro). Nem pensei em ir atrás de algum livro de Clarice, tão cedo.
 Mas Clarice veio até mim! Andando pelas ruas do centro, deparei-me com um vendedor de livros, com uma banquinha improvisada, com livros no pior estado de conservação possivel. E lá estava Clarice: "Laços de Familia", uma coletânea de contos, toda estropiada, com suas páginas coladas porcamente com um durex amarelado.
 --- Quanto é?
 --- Faço por 5! Se tiver faltando página, o senhor pode trocar por outro depois!
 Dei uma folheada, as páginas estavam em bom estado, só estavam descoladas mesmo. Paguei os 5 reais.
 Como num ritual romântico, chegando em casa, tomei aquele banho, botei perfume e levei Clarice para cama. Antes de começar a ler, acariciei sua capa, em que aparece a figura de um homem bigodudo e galanteador dando flores à uma formosa moçoila.
 Comecei a ler avidamente. Deti-me! Percebi que não deveria tratar Clarice com tamanha afobação. E sim, ir saboreando-a aos poucos, palavra por palavra. Pois Clarice é papa fina. Dessas guloseimas que você deve deixar derreter na lingua e só depois se servir de nova porção.
 Percebi que Clarice é leitura não para simples entretenimento, mas para uma degustação lenta e exigente.
 Já conhecia este tipo de leitura, mas com um escritor. Confesso que antes de Clarice, perdi meu cabaço "fino-literário" com Marcel Proust em "No Caminho de Swan", um dos livros que mais demorei para terminar de ler. Pois sempre era preciso retornar ao parágrafo anterior, ou para captar melhor sua essência, ou pela simples "gulodice" de experimentar aquela "frase doce" mais uma vez! E é o que me ocorre agora, com Clarice. Demorei um bom tempo para terminar a leitura do primeiro conto. Parava extasiado com seu senso de humor requintado, sorvendo aquelas palavras como as velhas "jujubas" de uma infância longínqua, mas ainda doce na mente.
 Não sei se partirei tão cedo para o conto seguinte. Medo de que minha relação com Clarice termine rápido...Me deixando só, com a mão pendente entre as cobertas que agora testemunham a lascívia glutona com que devoro essa escritora, que vale bem mais que a fila de 20 livros que me espera na estante, toda enciumada!

Um comentário:

Caranguejunior disse...

Massa Andrezão!

Du caralho!
Gostei da última frase, é isso que eu tô falando, dar vida aos objetos... como eu dei ao cigarro de Clarice. Os seus livros antigos com Ciúme da Clarice!! Porreta!


Abrax!