segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Eu Dizia Que o Amava




Eu queria tanto fazer parte dessa juventude barbuda e engajada.
Mas eu paro em frente ao espelho e o que vejo é esse cavanhaque ralo e cheio de fios brancos.
Minha meninice parecia se passar numa sociedade tão pacata. Eles só nos obrigavam a cantar o hino nacional antes da aula. Mas tudo bem, eu, como muitos só mexiam a boca e eu interpretava tão bem o meu amor à pátria, acho que já era a veia artística despontando. "Ame-o ou deixe-o"! Eu dizia que o amava. Por que não? Ele me fornecia gibis de super-heróis e enlatados americanos na TV. Acho que era mais chato só pros adultos, tanto os jornais e revistas eram cheios de receitas de bolo. Eu gostava de bolo, mas aquilo me parecia um exagero! "Boa noite, John Boy! Boa noite, Mary Allen!" Assim terminava o seriado "Os Waltons", aquilo me dava uma certa melancolia. Talvez inconscientemente, eu relacionasse aquele "Boa noite"! com um toque de recolher, havia sim, um terror por baixo da superfície de calmaria, como o lobo mau vestido de vovó. Mas tudo bem, tudo era tão sereno na verdade. Os gritos eram abafados, ninguém ouvia, assim como o sussurro babado entre os dentes escurecidos do jornaleiro que ficava em frente à igreja da praça:

--- Oi! Vem cá! Toma uma balinhaaaa...Hmmmm...Já tem peitinho, heim??

País tropical. Abençoado por Deus. Ainda posso dizer que o amo? Tudo está confuso. É tanta bala voando (e esta fere a carne na hora,não a alma, aos poucos como a do jornaleiro, apesar do aparente doce). É tanto grito e coquetéis molotov e bombas de gás. É tanto escândalo. Não sei se ainda o amo mais.
Por que tirou a fantasia de vovó, lobo mau?

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