
O título original desta crônica era "A Necessidade de Escrever". Estava me abrigando da chuva num ponto de ônibus e sentia uma certa agonia. Mais de uma semana se passara e não havia escrito porra nenhuma. E isso me afligia. Todos sabem como ficam os pontos de ônibus em dias chuvosos. As pessoas ficam espremidas umas às outras e o contato de guarda chuvas molhados faz com que se espremam mais. Uma menina gordinha (se tivesse 20 anos, era muito) estava à minha frente, e eu sentado, tinha sua barriga e peitos grandes à poucos centímentros do rosto. De repente, minha vontade de escrever se transmutou num desejo ardente de abraçar aquele corpo roliço. Para seres emocionais como eu, é terrivel ter que se conter e deixar o desejo se debatendo no peito, como um guaxinin acuado. Quis levantar os braços pra ela e pedir:
--- Moça! Me dá um abraço?
Mas com certeza, nem o sorriso sairia, de tanta excitação, e todos ao redor julgariam injustamente que eu seria um tarado e levaria uma bela surra de guarda-chuvas, embaixo de uma chuva de injurias.
Quando era jovem, apeteciam-me as mulheres mais maduras. Não que uma trintona ou quarentona bonita não me desperte o desejo, hoje em dia, mas é em escala bem menor. Á duas semanas atrás, acabei dando uns amassos em uma coroa que puxou assunto comigo, obviamente à procura de uns bons beijos mesmo, ao ver que o papo não colou com um senhor de uns 60 anos que estava próximo de mim. Lhe mordi e chupei os lábios, perscrutando o interior da boca com a lingua, como um explorador escavando com uma pá, em busca de um tesouro. Não encontrei um tesouro, só via a decadência das formas daquela velha urna desgastada, que sem dúvida já fôra alvo de vários saques antes desse pirata perneta que vos fala. Ela me beijava de olhos fechados e eu observava aquelas marcas do tempo, como se sua imagem fosse o espelho irônico e cruel de um parque de diversões assombrado. Eu vi com terror a minha própria morte. Ela tremia todo corpo, e talvez ouvisse sinos celestiais, mas eu ouvia rangidos de uma esquife sendo aberta e meu cadáver decomposto se levantando e rindo de mim.
Ao contrário do que dizem, o homem ao entrar na faixa dos quarenta não fica safado. Na verdade, ele acorda para a realidade da finitude. A juventude é como o suporte principal que segura todo o cenário da vida, que julgamos real. Mas chega o momento que ele cai e descobrimos que a vida não passa de um 'reality-show' destinado a entreter um 'ser superior' ou 'raça adiantada' que nos observa com interesse mórbido, ou pior ainda, fazemos parte de um programa com um roteiro tão piegas e previsível, que não atrai audiência alguma, e que está fadado a terminar na primeira temporada.
Então o suporte do cenário cai e vemos os esqueletos atrás das cortinas. Sim. E sentimos o cheiro de podridão. Velhos sonhos se deteriorando. Estrelas e corações como bexigas estouradas.E o que parecia uma vontade de escrever era na verdade, fome de carne nova. Se apossar de algo já perdido. Se alimentar desta carne . Como fazer uma plástica. Penetrar os dedos bem fundo, como criaturas metade bisturi, metade crianças envelhecidas, cujas bocas de dentes podres se abrem num esgar de desespero para sugar o doce que, ou lhes dará um último prazer ou será o ultimo prego no caixão de sua diabetes em estado avançado. Sequiosas de sangue novo. De euforia. De um sentido para se manter em movimento. Abro o jornal, nada me interessa. De repente minha atenção é fisgada para um texto sobre 24 bebês mortos.Outro, sobre a deterioração da faculdade de se comunicar, de um escritor com tumor no cérebro.
Percebo então, o significado de escrever, para mim, hoje. É o que me mantém em movimento. É o jeito de me comunicar . É o ultimo espasmo do peixe, com o anzol atravessado na boca. A boca que só queria comer uma minhoca gorda.
Um comentário:
Boa mano!
Não pare de escrever pois o seu "eu peixe" ainda está saltando nos rios das palavras.
abrax!
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