segunda-feira, 24 de julho de 2017

Um Coração Partido Era a Minha Doença. Cobra foi a Cura.






Aqueles derradeiros dias do final da década de 80 consumiam uma adolescência que parecia à prova de tudo, menos de um coração partido.
O ‘amor da minha vida’ riu daquele magricelo segurando uma folha de papel, nela escrito um poema. Sim. Naquela época acreditei que aquela loura azeda, de nariz empinado, era meu grande amor. E também acreditei que aquele amontoado de rimas cafonas era a maior obra poética já escrita.
A camiseta preta do Slayer não condizia em abrigar aquele coração tolo e que batia desesperado, mais veloz que a bateria de Dave Lombardo.
O vinho vagabundo ‘San Tomé’ me consolou naquele fim de tarde. A folha com o poema tremia em minhas mãos, gotas pingavam em cima, embaralhando as palavras. Não. Não estava chovendo. Eram as lágrimas de um completo idiota que corriam como cascata, em meio a soluços desesperados. Um bêbado mais experiente passa todo sorridente, exibindo uma dentadura negra e destruída:
--- Quem morreu?
--- F-Fui euuu!!!!
--- Ih! Se fudeu!!! Ah!Ah!
Depois da segunda garrafa, foi o vômito que jorrou forte e quente, destruindo a ‘prova do crime de amar quem não se deve’, e empapando minhas mãos , que limpei numa folha de jornal que voava.
Lá havia um anuncio de um ‘Relax para Homens’, na Rua da Consolação. No dia seguinte me encaminhei para o local, a dor da tristeza superava uma de minhas primeiras ressacas.
--- Você tem cara de menor! Olha! Eu não quero me complicar, hein?
--- Já tenho dezoito!
--- O documento?
--- Esqueci.
Ela me olhou de cima a baixo e finalmente disse:
--- Tá. Tu tem cara de menino limpo. Só por isso! Vai! Tira a roupa!
A luz vermelha do abajur deixa o clima bem de pecado, para minha primeira incursão vaginal.
Logo estava no meio das pernas daquela mulher de meia idade, chupando aqueles peitos flácidos e me arranhando todo no que parecia ser um chumaço de Bom Bril.
--- Vai filho! Goza logo! Minha perna tá doendo!
Acelerei, sentindo a pele das coxas queimando, como se adentrasse em densa e cortante caatinga.
Gozei. Fui embora. Triste.
--- Puta não beija, meu bem. Tchau. Volta de novo, tá?
Voltei caminhando pra casa. Foi todo o dinheiro naquela aventura. “Não sou mais virgem!” Tentava animar a mim mesmo. Não consegui me enganar. Havia sonhado tanto com minha primeira vez, com minha namorada.
Em casa, minha mãe olha pra minha cara detonada, durante o intervalo da novela:
--- E a escola?
--- Bem...
Então, como um clarão depois de um corte de energia, aparece a chamada do filme “Stallone Cobra”, na tela da T.V. Um filme proibido pra menores, quando saiu no cinema. Um maluco com uma meia enfiada na cara, empunha um machado. Stallone distribuindo balaços em motoqueiros. Era disso que precisava, agora. Brutalidade sólida para soterrar essa sensibilidade ‘bichosa’ que me fazia chorar que nem menininha por alguém que não merecia.
Naquela noite, um coração partido era a minha doença. Cobra foi a cura.
Vibrei com os tiros e as porradas. Me imaginei no lugar de Stallone. Me imaginei macho pra caralho. Sem espaço para sentimentalidades. Usando uma tesoura pra cortar um pedaço duro de pizza, e não a parte do horóscopo do jornal, sempre ansioso pra ver o que os astros me reservariam em minha vida amorosa. De repente, vejo que pinta um clima entre Cobra e a modelo que ele tem que proteger. Penso: “Não, Cobra! Não faça isso! Corre que é cilada”!
Então, percebi que até o mais bruto dos homens, carregava um coração de manteiga debaixo de um tórax de concreto. No meu caso, a camiseta do Slayer. E bruto nunca fui, e sim o maior bunda mole que já conheci.
No dia seguinte, acordo me coçando todo. O que mais tarde aprenderia que se chamava de ‘chato’, na hora caiu como uma bomba:
--- Estou com Aids!!
Me vi devastado. Só. Não mais virgem, mas condenado à morte por uma relação sexual sem amor. Hoje, décadas depois, compro o filme ‘Stallone Cobra’ em DVD.
Dou risada ao lembrar da tempestade em copo d’água de minha juventude.
Acaba o filme e deixo aquele passado, e aquele infantil coração partido para trás. Fincados num gancho. Sangrando. Como o vilão do machado, finalmente eliminado pelo meu herói.

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