quinta-feira, 31 de março de 2016

A Celebração dos Bodes Velhos à Negação da Meia Idade



O cheiro do mijo veio forte nas narinas, como um despertador olfativo para o que viria a seguir. Lavei o rosto inchado, botei o boné ensebado do Black Sabbath no crânio devastado pela calvície, este atestado de decrepitude que o tempo carimba na nossa testa. Saio pra fora e observo pessoas indo e vindo com suas camisetas pretas de banda. Alguns garotos, muitos coroas assim como eu, sem cabelo e apenas uma barba branca de bode.
Começa o show, um calor infernal. Copos de cerveja e punhos levantados fazendo chifrinho. A morena na minha frente solta o cabelo e começa a 'banguear', a cabeleira vai e vem, rente ao meu nariz. Um perfume que é um bálsamo, depois da catinga do mictório e agora, em meio a centenas de machos suados, verdadeira celebração dos bodes velhos à negação da meia idade. Só três musicas se passaram e os dedos dos meus pés estão dormentes. Me balanço simiescamente de um lado pro outro, para que a circulação volte. Penso em sair da muvuca e me escorar, mas seria terrível erro arregar agora. Com minha cara de mau e a imponente águia do Slayer, com seu pentagrama de espadas no peito, não seria de bom tom jogar a toalha e cair nocauteado no corner. Era 'macho alfa', pelo menos naquele momento. A garota às vezes olhava pra trás, e eu lá, 'todo malvado'...Quem não te conhece que te compre, André Diaz.
Acaba e vou-me arrastando ao banheiro. Fila. Mijada e lavada de rosto. Não encontro mais a morena. Posso ser eu de novo, o garoto que se perdeu no labirinto do tempo, mas ao encontrar a saída, sentiu-se mais perdido ainda, pois a imagem refletida na água parada de lágrimas vertidas ás escondidas, mostrava a figura de um senhor, destoando totalmente de um coração juvenil, que se recusa a bater mais devagar. Os ouvidos zumbem, a guitarra de Andreas Kisser ainda rasga como motosserra e os urros do gigante de ébano, Derrick Green, ecoam como o monstro encerrado dentro do peito, querendo reagir selvagemente contra um mundo que vai contra seus ideais.
Ombros arqueados sob a camiseta empapada de suor, me fecho sobre mim mesmo, como uma 'Sepultura' cheia dos ossos de velhos sonhos. Fantasmas que se negam a calar. Assombrações de um tempo de juventude perdida.

Um comentário:

Caranguejunior disse...

De volta às crônicas!
Sempre acho ducaralho!
Escreva mais crônicas que vc tem um fã!

E Sepultura é foda!


abrax!