segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Foi Aqui Que Roubaram Meu Coração

 

-- Na volta a gente compra!

   Minha penitência à lugar nenhum, e à nenhuma redenção é travada pela cena da criança esperneando no meio da Av. Paulista, trazendo de volta a lembrança de algo que parece persistir por mais que as crianças de hoje tenham acesso a coisas que para nós, coroas passados os cinquenta anos seriam obra de ficção científica.

É claro que há a variação "Na volta eu compro". Mas é a mesma balela de sempre. Mordi a língua para não disparar um "Mentira! Eles não vão comprar nada"!Mostrar a língua e sair correndo. Mas minhas pernas estavam me matando e o sol estava de rachar. E ainda seria capaz de comprarem a maldita coisa "só pra contrariar" e desmentir este estranho louco tentando acabar com a paz e com a regra pré estabelecida das eternas balelas já plantadas desde cedo na vida do indivíduo.

Continuo minha caminhada pelo meio da avenida fechada ao trânsito de automóveis, mas aberta ao livre vai e vem de pessoas iludidas e felizes na eterna perpetuação de suas mentiras.

Barbie passa com seu belo vestido cor de rosa, que lhe custou uma nota, assim como seus lábios preenchidos, prontos para beijos tão verdadeiros quanto sua natureza plástica. Barbie se tornou aquilo que cultuara na infância. Aquilo ou apenas um arremedo de um ideal inalcançável. O objeto de desejo se tornou alvo de asco, riso ou pura dúvida. Fendas não eram necessárias então, diferenças mais gritantes com seu companheiro Ken não passavam de corte de cabelo e figurino...Assim, fica fácil, não?

-- Olha Arnaldo! Tem algo de estranho com aquela mulher!

-- Fala baixo, Raimunda...

   Continuo a caminhada, passando por uma celebração natalina num tal de "Méqui"... O que é isso? Ah tá! O "abrasileiramento" do Mc Donalds para que o pobre explorado se sinta mais reconfortado e próximo do ideal capitalista ianque mas sem deixar de ter sua própria personalidade brejeira... Isso enquanto uma máquina de 'fazer neve" despeja flocos branquinhos sob o povo alegremente estupidificado. 

Nestes meus passeios de fim de semana, invariavelmente acabo por desaguar em minhas lamúrias na Av. Brig. Luis Antonio, palco de dias tão ilusoriamente felizes como a satisfação da criatura encarnada na boneca Barbie.

Desço a avenida, com toda sua miséria, pedintes e sujeitos suspeitos. Para eles não existe a ilusão, além da proporcionada por meio das drogas, lícitas ou não. Os iludidos trabalhadores são suas vítimas preferidas. Nada melhor que um otário distraído, chorando as pitangas por um amor não correspondido. Esses são alvos ideais para as "armadilhas da carência"... Já contei da vez que quase desci rolando as escadas de um "treme-treme" suspeito, atrás  de um pouco de carinho, ao me ver numa bela enrascada? Calma, amigos! Estou bem! Estou aqui! Poisé...

Mas vamos aos eventos de hoje. Parei mais uma vez em frente ao lugar que à uma década atrás vivi "dias ideais" ao lado de alguém "que finalmente valera a pena." Das primeiras vezes que voltei a visitar o local, nem havia percebido, de tão embevecido que estava, mas hoje me atentei à placa: "Você está sendo filmado"! O que não me impediu de ainda ficar olhando para a grande galeria e a escada rolante (que nunca funcionava) que ia dar na guarita do porteiro, a qual subia alegremente e regularmente como um principe pobre rumo a torre de um castelo tão suspeito como o "treme-treme" mencionado antes. 

Fiquei imaginando quem vê as tais pretensas "imagens filmadas"... Será que pensariam que sou um criminoso? Que tencionava invadir o recinto para roubar? Absurdo! A vítima fui eu! Foi aqui que roubaram meu coração! 

Engraçado, minha ida hoje, não foi satisfatória... Será que esta ilusão está perdendo seu "prazo de validade"? Termino este relato então, ouvindo uma musica dos Smiths que diz que "Há uma luz que nunca se apaga"... Um vestígio não físico daqueles dias e daquela relação, que este sim, ainda se mantém firme e pulsante... É quando construções físicas podem ruir, perder sua solidez no nosso sentimento e na correspondência de nossas saudades e ilusões, mas sempre haverá algo mais íntimo e indestrutível... A subjetividade de um som... De um cheiro e de algo intangível que sempre terá lugar em nosso coração, apesar dele ter sido covardemente arrancado de nosso peito.


André Diaz


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