
Vocês já viram um sapo com barba?
Eu acabei de ver, refletido no vidro do ônibus.
Penso que não deve haver beijo mágico que dê jeito de transformar esse sapo em príncipe.
O ônibus vai chegando perto da "Praça Virgem da Lapa".
A única virgem que existe na Lapa é uma merda de praça toda feia e sem flores.
Sim. Porque logo ali, havia até pouco tempo uma banca de flores.
Agora só há uma bagunça com sacos plásticos e utensílios semidestruídos que fazem um triste arremedo de lar.
A banca de flores deu lugar a 'casa' de um morador de rua.
Ele avistou o ônibus se aproximando e agarrou um violão em meio a sua tralha arrumadinha.
Veio correndo feito um louco e o motorista parou mais com medo de atropelá-lo e ter dor de cabeça com isso, do que por consideração
à patética figura.
Pediu uma carona até o Terminal da Lapa, e disse que em troca até poderia tocar uma musica em seu violão, mas como ele não tinha cordas,
ficaria devendo uma bela canção. 'Quem sabe da outra vez, né piloto? Eu sei tocar aquela do Seu Jorge! Carolina! Tá ligado?'
Em meio a merda toda que me cerca, a lembrança de Carolina cai como um colírio em meio a um olho cheio de remela.
E não é a porra da musica do Seu Jorge.
Carolina é alguém que eu conheço de verdade.
Carolina rima com menina.
Talvez, por isso mesmo, tenha sido tão grosseiro com ela.
Ela me vinha com aquele sorriso tão doce.
E eu acho que eu tinha medo. De tão enterrado que estava, no sal da amargura.
Carolina escrevia coisas bonitinhas de amor, e eu fazia pouco caso. Talvez por enxergar nela alguém...Um espirito... Uma vontade.. Uma idéia... Sei lá... Que já havia habitado esta velha carcaça que vos fala... Eu enxergava no frescor e entusiasmo de Carolina, algo não corrompido... Enxergava em Carolina o meu fracasso na luta contra um mundo com o qual lutei com unhas e dentes. A poesia, a crença no amor, no belo, eram o metal que compunha a espada que não conseguiu perfurar a casca grossa desse dragão chamado mundo.
Agora me bateu saudade de Carolina abrindo seu caderninho cor de rosa e falando coisinhas não menos cor de rosa. Por um momento, senti imenso ódio do sapo barbado refletido no vidro do ônibus. Mas Carolina surgiu como uma fada desses ridículos contos, que a gente ainda faz uma imensa força pra acreditar, mesmo depois de certa idade, e de perfurar a sola dos pés no lixo que a vida joga no nosso caminho.
Eu peguei esse lixo e aprendi a fazer poesia com ele. Mas já não havia alegria. Não havia mais a esperança que existe em Carolina. E passo meus últimos momentos de viagem, carregando a lembrança dessa menina como o mendigo que carrega seu violão. Como ele, também não posso 'tocar' Carolina. Ela é apenas uma lembrança agora, como o violão do mendigo é uma forma de instrumento apenas, sem suas cordas. Mas assim como ele, que imagina saber tocar a musica, eu imagino Carolina falando coisas tolas de amor, do meu lado.
Carolina. Não sei que nome dar a isto. É um poema? É uma crônica?
Besteira. Isso aqui é apenas a gratidão de um velho escrevinhador à amizade de alguém semelhante a uma nuvem do céu que se perdeu e se pôs a flutuar entre nós, perdedores nessa terra dos diabos.
Obrigado, amiga.
André Diaz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário