-- Bia ! Bia!! Maria Beatriz!
A menina finalmente coloca o ponto final à sua confissão do diário, o guarda no compartimento secreto do armário e desce correndo os degraus da escada.
--- Bia! Vai chegar atrasada ao primeiro dia de datilografia, menina!
E lá se vai a garota, chegando à escola, a apenas um quarteirão de casa. Uma senhora de óculos a atende, sorridente, e a encaminha para sua mesa, onde sua máquina de escrever a esperava e junto com ela, um "futuro brilhante de possibilidades e colocações mais elevadas no mercado de trabalho", como dizia o folheto que apareceu certo dia em sua caixa de correio. Bia olha em volta e lhe chama atenção um garoto magro e cabeludo, com uma camiseta preta, de banda de rock e jeito atrapalhado, bufando e parecendo travar uma verdadeira batalha com a folha de papel sulfite no rolo da máquina. O rapaz percebe o olhar da menina, vira-se e dá um de seus melhores sorrisos amarelos, o qual a menina recebe como um presente inesperado. Suas bochechas ficam rubras, arruma nervosamente a tiara na cabeça e se põe a arrumar a própria folha na máquina. A professora a ajuda, e assim, metade da aula na realidade, é perdida, pois a presença do garoto atrapalhado se torna uma irresistível distração.
Passam-se os dias, e Bia nunca mais se atrasa para as aulas. Antes mesmo do horário, ela já desce as escadas de casa, numa alegre agitação, causando espanto em sua mãe, que acaba se acostumando com a ideia de que logo terá em casa, uma "próspera profissional da datilografia".
A garota começa a estranhar a atitude fria e distante do rapaz do curso. Ás vezes, em casa, o vê passar, da janela, com tipos estranhos, e ás vezes, cambaleando, como se estivesse sem equilíbrio, como de vez em quando, seu próprio pai chegava em casa tarde da noite, depois de alguma reunião da firma e sua mãe se descontrolava e os dois acabavam brigando. Ela ficava então, matutando, se um dia se casasse com aquele garoto, seria igual para ela também?
Além de vê-lo no curso, Bia cruzava com o rapaz em sua rua várias vezes. Descobriu que ele também morava lá, ela sempre lhe sorria, ele a cumprimentava, sem graça, mas nunca passava disso. De noite, em frente ao espelho, Bia experimentava um novo vestido florido, uma nova tiara e se perguntava se acaso ele a achava feia, mas o espelho, diferente da história de Branca de Neve, não lhe dizia nada, tão mudo quanto o seu príncipe encantado.
Então, certo dia na aula, fizeram um exercício de datilografar envelopes de cartão, o rapaz usou um envelope vermelho, o qual acabou esquecendo no fim da aula, junto a máquina. Bia deixou que ele se fosse, se apoderou do papel e o enfiou no bolso. Passaram-se os anos, uma moça revira caixas dentro de um armário, de repente um velho diário cor de rosa cai no chão, e uma coisa, aparentemente uma borboleta vermelha de asas quebradiças alça voo e cai junto ao pé da moça, que se abaixa, pega o frágil objeto que quase se desfaz ao toque, olha, sorri e caminha para a sala, onde uma velha senhora repousa assistindo a novela na TV.
-- Mãe, eu não achei o tal documento, mas achei isso..Quem é André?
A idosa por um momento não se lembra do que se trata, estica o braço trêmulo e segura o que a filha lhe mostra. Um brilho lhe passa rapidamente nos olhos, sorri e segura uma lágrima que se insinua.
-- Não é ninguém, filha. É apenas um nome num coração de papel.
terça-feira, 2 de junho de 2020
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