terça-feira, 2 de junho de 2020

Um Colar Feito de Estrelas

Marta senta-se na beira da cama. Desliza as mãos no ventre, com dedos cujas unhas já não revelam nem mais um pingo da antiga vaidade, sempre esmaltados de vermelho, a cor preferida, impressa no vestuário, nos cabelos e nas paredes do escritório, ou o "quartinho de escrever", como gostava de chamar.
Repete o gesto todas as manhãs, na esperança de  que tudo não passara de um pesadelo, mas sempre constata a ausência de algo, ou melhor, de alguém, e sempre sente a mesma pontada no peito. Mas algo  parece ter mudado, as lágrimas parecem ter secado. Nos primeiros dias, Lucas aparecia logo em seguida, com uma bandeja com o café da manhã. Então, certa vez, ela sentiu-se enjoada diante a visão dos ovos mexidos e largou com aspereza a bandeja de lado. O rapaz não lhe trouxe mais o café.
Veste então, a longa camiseta com estampa de Monalisa, com seu sorriso enigmático, arrasta os pés nos chinelos grandes que Lucas largara ali, se encaminha para a sala e o encontra fumando um cigarro e olhando o mar cinza de prédios, da varanda. Então, ele sorve o resto de café da xícara, dá bom dia a ela, se inclina e lhe deposita de modo mecânico, um beijo na testa, pega a pasta de couro e sai pela porta. Ela se encaminha para o quartinho de escrever. O computador já estava ligado. Verifica que havia links abertos, e constata o que já desconfiava: Lucas passava as madrugadas se entretendo com sites eróticos, então os fecha e se põe a escrever algo. Imprime o pequeno texto e o deixa sob o teclado. Deita no sofá, fecha os olhos e a mente a transporta a uma viagem ao campo, anos atrás. Os dois deitados em meio ao campo infinito e verdejante. O céu noturno como a sorrir para eles, com milhares de brilhos a despontarem. "Eu vou te dar um colar feito de estrelas.." disse ele, lhe apertando a mão e ela lhe retribuindo, acariciando os dedos de unhas vermelhas. Aos poucos, as imagens vão se desvanecendo, uma voz grita em desespero, parece ele, mas parece tão longe..Ele sacode seu corpo..Pede perdão..As lágrimas pingam de seu queixo. No chão, ao lado do sofá, um bilhete amassado de despedida e um vidro de remédios vazio. Tudo escuro. Ela não vê mais nada, mas aos poucos, algo brilha ao longe e vai se aproximando devagarinho. Algo de brilho intenso. Uma garotinha de vestido branco, sardas no rosto e cabelo de vermelho vivo como sangue. Ergue nas mãozinhas algo cujo brilho lhe penetra como fogo intenso pela boca e narinas e explode em seus pulmões. Era o brilho de mil sóis. Era um colar feito de estrelas.

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